segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que era se foi

  O suco, que parecia tão gelado, desceu queimando minha garganta. O sangue armazenado nas minhas narinas nem me deixava mais respirar. Ainda bem. Provavelmente se eu puxasse o ar sentiria o seu cheiro. E naquele momento eu preferia sentir o cheiro das flores do meu velório do que o aroma do seu perfume doce invadindo o íntimo do meu ser. Provavelmente, ao dar mais um gole no suco, eu procuraria os seus olhos rindo de mim. Mas, ao contrário disso, meus olhos encontraram o vácuo que a sua ausência deixou. Obrigada. Que belo presente. Que linda recordação. Com toda certeza contarei aos meus netos da insignificância da sua pessoa para mim. Quando eu estiver velhinha, lembrarei apenas de alguns recortes da nossa convivência. Mas depois farei questão de apagar qualquer vestígio do seu ser. Qualquer vírgula das suas palavras, qualquer ponto da nossa história sem fim e as histórias dos nossos finais. Aliás, acho que nem me lembro mais.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Quem é?

  A campanhia tocou. O silêncio da minha sala de estar ecoou pelo hall do apartamento. Meus passos fizeram um leve barulho na minha caminhada do quarto até a porta. Girei a marçaneta, que estava ainda mais dura por conta da minha falta de força. Abri a porta e o vento frio da manhã passou agressivamente pelos fios do meu cabelo. Não sabia se eu deveria ver quem estava do lado de fora. Sai de trás da porta, ainda com roupa de dormir e cara de sono, tentando imaginar quem, em plena consciência, me acordaria em um horário tão impróprio. Percebi que ninguém estava ali. Ninguém. A não ser eu e minha solidão, que pensou em ir embora, mas desistiu. Além de mim, mais ninguém estava naquele momento. Eu era a única personagem da cena, fazendo um monólogo jamais ensaiado. Eu era a personagem secundária da minha vida, que não era minha. Me perdi em mim. Me perdi no texto também. Nesse texto, para ser mais específica. Perdi o início todo. Perdí o todo. E provavelmente você acabou de se perder também. Em vários sentidos. Desculpe-me, não era minha intenção. Até porque minha intenção se perdeu também e agora estamos todos perdidos. Comecei escrevendo sem saber de fato o que eu estava querendo dizer e aonde eu estava querendo chegar. Mas, eu estava sentada na minha cama e acabei de deitar, notando que esse texto surgiu do cansaço. Esse texto surgiu da exaustão da minha mente. É tudo o que eu tenho. E sempre dou tudo de mim. Em tudo. Agora acabei de reparar que escrevi a palavra "tudo" muitas vezes. Três vezes, no caso, mas em menos de três linhas, o que significa uma repetição. Um cansaço. Li agora o que eu escrevi. O início não tem nada a ver com o desenrolar do texto, o título fugiu da proposta e a conclusão entrou na rua contrária da minha ideia inicial. Preciso parar de escrever. Meus olhos ardem como uma brasa quente em plena fogueira de São João. Minhas mãos estão latejando, implorando um descanso. Minha mente grita, querendo soltar mais palavras, mas o tempo me cobre, como o cobertor que eu estou desejando para ir dormir. Está frio aqui. Boa noite.

domingo, 9 de setembro de 2012

Um beijo na testa de Deus

De todos os poemas
Esse é o mais sincero
Esse é o mais profundo
O mais duro
O mais estrondoso

De todas as palavras
Essas são as mais verdadeiras
Essas são as mais diretas
As mais óbvias
As mais respeitadas

De todas as minhas escolhas
Essa é a mais concreta
Essa é a mais subjetiva
A mais firme
A mais serena

De todos os meus pedidos
Esse é o mais necessário
Esse é o que eu mais quero
O que eu mais batalho
O que eu mais dependo

De todo o meu coração
Esse é o meu maior pedido de perdão
Esse é o meu amor mais sério
É o meu sentimento mais sincero.

De toda a minha vida, 
a minha vida é o que eu menos quero.

Uma carta ao vento

  Sem noção do que aconteceria ou poderia surgir no meio da história. Uma página foi arrancada. Roubaram um livro da minha biblioteca. Roubaram um pedaço da minha mão. A mão direita. A mão que eu escrevo, que eu me despeço. A mão que eu bato. A batida que dói e fere profundamente. Quem apanha? Nunca ganho. Nunca venci uma batalha assim. Tão medíocre, tão nojenta. Uma guerra fria. Uma frieza que eu escondia. Um sorriso que eu admirava mas fugiu, saiu, partiu. A vida riu. Eu não ri. Seria cômico, se não fosse trágico. Se não fosse triste. Se a estrada não fosse tão sombria, eu seguiria. Eu arriscaria. O perigo é doloroso nesse caso. O amor é uma alternativa falha. O amor é uma rua sem saída. Mas eu nunca quis sair mesmo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Só sei um pouco

  Mas talvez a vida siga. Sem pressa, nesse barco que faz tudo, menos navegar. Nesse carro que faz tudo, menos andar. Nesse avião que faz tudo, menos voar. Nesse tempo que faz tudo, menos parar. Em uma vida tão corrida de quem nem lembra de amar. Quem sabe. Ninguém. Em um texto confuso, misturo tudo o que eu queria ser. Em um texto sem rumo, despejo tudo o que eu queria ter. E a alma, com pressa, caminha nas ruas dessa cidade esquecida. Tão esquecida quanto eu, que só lembro de mim. Escondida com um véu, que não tira nem para ir no jardim. No jardim que enterra sua alma morta, calada. Agora calma, por poder descansar.