quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Perdoa o drama

  10:55 da manhã. A sala de aula estava lotada de pessoas que já não estavam mais aguentando aquela quarta-feira de sempre. Aquela quarta-feira com o cheiro da rotina, com a cara do cansaço. Sentei na cadeira azul, da cor do céu que eu gostaria de estar olhando naquele momento. Tentei encontrar uma posição confortável, mas o ar condicionado estava batendo no meu rosto, aumentando ainda mais o meu desconforto. Não sabia se eu não estava conseguindo respirar direito por conta do ar frio ou por causa da minha fobia à certos conteúdos do currículo escolar. Provavelmente a segunda opção. Desliguei a parte do meu cérebro que ia tentar prestar atenção na aula de biologia e, com a outra parte, que é destinada a atividades pensantes mais enriquecedoras, fiquei tentando entender o que eu estava fazendo no colégio. Sem esse drama e essas desculpas ridículas de que alguns conteúdos que nos ensinam são inúteis, porque qualquer pessoa, com um mínimo de criticidade, percebe isso. Não foi nenhum pensamento rebelde amador de adolescente revoltado com alguma nota baixa. Não foi preguiça, nem ignorância. Foi um apelo da minha alma. Senti que o meu interior estava implorando uma explicação. Eu estava tentando entender, porque não entendo. Admito que eu queria me conformar com a inutilidade do que é visto em sala de aula, dos colégios em geral, mas é mais forte que eu. Um rebuliço enorme brota dentro de mim e eu tento olhar em volta, pra ver se isso só está acontecendo comigo, se só eu estou insatisfeita. Encontro alguns olhares, tão perdidos quanto o meu. Encontro alguns sorrisos, tão descontentes quanto o meu. O meu inconformismo atrapalha meu rendimento escolar, a partir do momento em que eu não aceito que um número indique o meu nível de inteligência ou conhecimento e defina o meu futuro. Sei que outras pessoas até possam concordar comigo, mas pensam que esse é o sistema e acabou. Dane-se o sistema. Dane-se essa maneira impensável de agredir nosso cérebro. Ainda tem aqueles que falam que todos terão que aceitar e passar por isso. Se fosse desse jeito a ditadura não teria acabado, todos iam ter que passar por esse sofrimento. Calado. Não faz sentido, se tem algo incomodando por que não falar? Por que não mudar? Vamos aceitar esse jeito de inflarem nossa mente com conteúdos que a data de validade é até o dia de uma prova ou uma avaliação? Vamos aceitar passar a melhor fase das nossas vidas trancados em um galpão de robôs? Ou será que o problema é só comigo? Deixa pra lá, vou ler um livro.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Pelo seu dente canino

  Mataram o jardim que havia em sua alma, desencantaram o brilho dos seus sonhos. Como um tiro no peito. Um rasgo profundo no dedo. A mão direita amputada. Que tipo de monstro pisa em cima da asa de um passarinho que mal sabe voar? Que tipo de pessoa arranca da outra a coragem de amar? Ninguém tem esse direito. Eu te imploro, volte! Por você, pelo mundo. Por favor! Preciso que sua alma floresça novamente. Não sei como te convencer, só sei que o mundo já é escuro demais e não podemos abrir mão de um brilho como o seu. Eu não consigo aceitar. Eu não posso. Desculpe-me por estar cuspindo minha indignação, mas meu desespero me corrói. O desespero de também ter medo. Medo do meu jardim também secar. Medo da minha coragem se esvair e eu não querer mais amar. Medo do perfume acabar. Não podemos sossegar assim, aceitar mais um corte no nosso coração de vidro. Não queremos mais viver assim, sem nenhum suporte e sem ser ouvido. A festa acabou. O circo fechou. O palhaço se aposentou, ainda no início da carreira. A solidão, às vezes, é a melhor escolha, é a melhor saída. Mas não temos para onde fugir. Quem nasceu pra amar sempre arranja um fio de coragem do fundo da alma. É instinto.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Prólogo

  Sou um livro espesso, com capítulos grandes e palavras difíceis. Tenho períodos longos, repetitivos e sem coesão. Em algumas páginas vem só um borrão. Não quero borracha. Não quero que me apague, quero que se apegue. Quero que se entregue. Traga um novo conto, me leia em qualquer canto, me guarde no seu quarto. Me arranca dessa biblioteca escura, me cura dessa amargura. Quero que me devore, que me decore e me implore uma página a mais. Não quero que me entenda, nem se surpreenda com o que vai encontrar em mim. Posso não ter nada, mas pode me ler, sim. Quero que navegue em mim, viaje em minhas folhas e se prenda sem querer sair. Quero que fique e que não queira o fim.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Um olá

  É claro que eu sumi. Em um mundo como o nosso quem é que tem tempo para escrever? Em um mundo como o nosso quem é que tem tempo? Aliás, vejo frequentemente, pessoas reclamando a falta de tempo. Se ningúem tem o tempo, será que ele existe? Quem é esse senhor tão cobiçado? Quem é esse tal de tempo que acha que manda nas nossas vidas? E, em certos casos, acaba mandando mesmo. Quem sou eu, para pensar que tenho direito ao tempo? Quem somos nós para reclamar, se nem sabemos do que estamos reclamando? Acredito que a ação de discordar nos move. O verbo "reclamar" faz surgir uma chama de inquietação dentro de nós. Por isso escrevo. Porque a inquietação dentro de mim é maior a cada dia. A cada hora, minuto, segundo. Ainda que nada disso exista. Ainda que nem eu exista. Nem você. Ainda que sejamos frutos da imaginação um do outro. Ainda que não sejamos coisa alguma. Mas alguma coisa existe. Nem que seja o nada. O vácuo. O espaço. Alguma coisa tem que existir. Nem que seja o tempo. Nem que seja.