quinta-feira, 31 de maio de 2012

O lindo portão azul

  Estava perdida, acredita? Ainda estou, mas já não faz diferença. Descobri que a minha vida inteira passei me procurando. (Deus me livre de me encontrar.) Notei as minhas pernas indo por um caminho que eu não conhecia mas, ao mesmo tempo, parecia ser familiar. E fui, confiando, sem saber aonde ia dar, sabendo que queria chegar. A pressa não existia, o tempo nos deu um tempo pra respirar melhor e sentir cada gesto, por mais simples que fosse. Porque era lindo ali, meu Deus, como era lindo! E os meus olhos há muito tempo não tinham visto coisa tão singular. O cheiro de cada móvel foi se alastrando pelos meus pulmões e a cor de cada quadro da parede fez meu coração bater mais forte. Fui observando cada centímetro daquele espaço único, como se eu vivesse ali há anos, como se tudo fosse apenas os meus sonhos se realizando, como se eu sempre fizesse parte daquele contexto. Cada cantinho parecia ser feito de um pó mágico, provavelmente o mesmo usado em castelos de príncipes e princesas. A cada segundo que se passava eu me convencia ainda mais de que a vida pode ser doce. As árvores do lado de fora traziam vida, para mim, que da vida pouco entendia, que não queria entender, que queria se esconder. E fugindo cheguei aonde eu queria, sem saber que podia, sem saber que existia. Enfim doce. Para uma alma quase amarga.

terça-feira, 22 de maio de 2012

INDIGNADA

  Nem sabia como começar a escrever, porque sinto ódio e com isso as palavras sairão muito pesadas. Sinto o lápis tremer na minha mão e a minha caligrafia sair assustadoramente ilegível. Hesitei um pouco ao falar sobre esse acontecimento, porque é um assunto delicado. O fato é que: hoje eu estava na fila da cantina, esperando pacientemente a minha vez, quando, de repente, uma menina furou a fila e queria ser atendida na minha frente. Poderia até deixar ela passar, se por acaso ela estivesse grávida, com um bebê no colo ou tivesse mais de 70 anos, mas ela não se encaixava em nenhuma dessas especialidades. Então fiz o favor de avisá-la que a fila era atrás de mim. Para o meu não espanto, ela respondeu: "Eu sei." Eu pedi que ela se retirasse e fosse para fila, assim como pessoas normais e de um mínimo de educação fazem, mas ela me deixou falando sozinha e comprou o lanche primeiro do que eu. Me faltaram palavras, porque indignação era pouco para o que eu estava sentindo. O meu espanto com o ser humano só faz aumentar. As pessoas acham CORRETO furar fila, jogar lixo no chão, deixar a torneira ligada enquanto passam sabonete e ainda se revoltam quando são chamadas atenção. Será que ninguém lembra dos milhões de cartazes que fazíamos no Jardim de Infância? Aonde foram parar todas aquelas plaquinhas com: "RESPEITE O PRÓXIMO"? No Ensino Médio, ao invés de ensinarem as Leis da Física, poderiam fazer uma revisão das Leis de Boa Convivência, o pior é que o número de gente reprovada ia ser ainda maior.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Esclarecimentos (des)necessários

  Ao contrário do que pode parecer, não sou preguiçosa, nem irresponsável, muito menos vagabunda. Apenas não vejo problema algum em trocar uma lista de física e várias atividades de matemática por um dia inteiro, deitada, lendo um bom livro. Sou apenas uma apreciadora da felicidade, sou apenas uma humana lutando por liberdade. Já deitada e com o livro na mão, olhei, sem apetite algum para as 30 questões, insuportavelmente repetitivas. Estava revoltada, pois me lembrei da última vez que deixei uma atividade, desse mesmo tipo, de escanteio e fui me dedicar à um livro de Clarice. (Recordo-me até hoje os sermões que a minha própria mente me deu.) Droga! Jurei que nunca mais faria isso e que tentaria educar minhas vontades, mas me lembrei de tudo que me privo e fiquei dividida. Poderia passar a tarde toda nesse dilema, tentando encontrar uma solução, mas o meu livro estava mais interessante. Foi puro instinto, acredite.

domingo, 20 de maio de 2012

Achei um tesouro!

(Foto por: Mariana Barreto)
   Ganhei uma caneta nova e meus olhos começaram a brilhar, como se tivessem encontrado um tesouro de dez mil anos. Minhas mãos acolheram o objeto, como se tocassem na coroa da rainha do Egito. Minha mente sorriu, deixando bem claro o quanto estava feliz. A caneta é de um azul clássico, como o céu, o que dá ainda mais vontade de escrever, como se, ao ver essa cor eu estivesse voando. Após analisá-la guardei-a no lugar mais precioso da minha bolsa: o estojo. Ia deixá-la guardada, para sua tinta não acabar, mas me lembrei que as duas últimas canetas que eu fiz isso a tinta secou. É aquela velha história: ficamos com medo do fim e não aproveitamos o início e o meio. 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Doendo e aprendendo

  Em instantes você percebe que não é nada, que o planeta é realmente gigante e, dentro dele, você é menor que um átomo minúsculo que compõe seu corpo. Você descobre que tomar soro na veia é tão agoniante quanto arrancar os quatro dentes cisos em um mesmo dia e que sem o número da sua identidade você é menos nada ainda. Você descobre que pior do que a dor de uma injeção, só a dor da saudade e pensa em como seria ótimo se existisse antibióticos para sentimentos, porque uma parada cardíaca pode não ser a pior dor sentida por um coração. Agora estou sentada, estudando, e acabo de notar que às vezes, doente em um hospital, você aprende mais do que em uma aula de biologia.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Indisfarçável

  Acordei, não muito disposta a viver um daqueles dias de sempre. Me olhei no espelho e vi escrito na minha testa "rotina". Peguei a primeira blusa da farda que vi na gaveta e também não demorei para escolher o resto da roupa. Ao abrir a janela notei que o dia não estava nem frio nem quente, o que só diminuiu minha vontade de viver esse dia morno. Fui para o colégio, sabendo que ia ter que conviver com uma saudade cruel. Parada, olhando para o quadro recheado de questões resolvidas da lista de física, comecei a sentir um estranhamento interno. Minha mão tremia ao escrever, então parei e fiquei ouvindo minha alma reclamar. "Saudade né?"- me perguntei, já sabendo a resposta. Como sou fraca, estava quase derrotada pela sua ausência. A saudade se alastrou por todo o meu ser e eu senti todos os meus órgãos se contorcendo. Me contorci também, com raiva de todos os relógios do mundo, que pareciam estar me provocando, impedindo que as horas passassem. Saudade é um sentimento cruel demais. A manhã foi passando em câmera lenta e eu não queria nem imaginar como seria minha tarde. Já sem esperança, olhei meu celular, pra ver se tinha passado pelo menos um segundo da penúltima aula. Surpresa! Parece que o destino leu meus pensamentos. Olhei para o visor do celular, ainda sem acreditar no que via. Ao ler cada palavra sua, a temperatura do meu corpo foi se normalizando, meus olhos, tão irritados e vermelhos, começaram a brilhar e eu consegui voltar a respirar. Então você veio e, ao te ver, meu coração sorriu aliviado. A sua doce presença fez todos os meus músculos relaxarem. Eu sorria sem parar, ao sentir o tamanho encanto presente naquele momento. E sorri o dia todo, sem fazer esforço algum para disfarçar minha felicidade.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um bilhete

  Não quero escrever à toa, como quem cospe um monte de palavras, nem pra agradar ninguém, porque não preciso disso. Não aceito que as minhas palavras sejam usadas inutilmente, desejo que elas sejam como uma espada, que perfure todas as barreiras criadas pra chegar até sua alma. Eu quero fazer um rebuliço e que, ao me ler, você sinta os seus neorônios se choacolharem. Quero passear por cada avenida do seu cérebro e quero que você mergulhe, junto comigo, nos meus desabafos.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O que você vê quando não pode ver?

  Senti um vento gélido soprar contra a minha face, imaginei que alguém tivesse aberto a porta. Abriu mesmo, pois ouvi o barulho que a minha casa faz. Dei o primeiro passo pra frente, embora não soubesse aonde a frente estava. Acertei a direção, ao notar que um cheiro quente de feijão verde invadiu minhas sensações. Nunca tinha sentido um cheiro tão bom e forte como esse. Fui seguindo o aroma até lembrar que a mesa da sala ficava por ali e eu podia me esbarrar a qualquer momento. Então parei e deixei o vento balançar o meu cabelo, fazendo suavemente cócegas nas minhas bochechas. Me lembrei que nunca tinha ficado em pé, parada e apreciando o vento. Sempre chego em casa com pressa, entro correndo para deixar minhas coisas no quarto e vou almoçar. Dessa vez nem sabia aonde meu quarto estava. Andei mais um pouco, seguindo meu instinto, até ter a sensação de estar perto de algo. Fui tateando, até perceber que era a peça da sala. Minhas lembranças fizeram-me seguir reto. Deslizei minha mão sobre a superfície do móvel, sem me importar com alguns objetos que foram caindo com o meu toque. Entrei em outro ambiente. Pelo silêncio, era meu quarto. Procurei algo para me apoiar, mas não encontrei nada, decidindo tirar o tênis ali mesmo. Abaixei-me, tocando no chão frio, com a ponta dos dedos, desamarrei o primeiro cadarço, tirei o tênis, a meia e coloquei o pé no chão. Fiz o mesmo com o outro pé e permaneci aonde estava. Meu quarto, que antes eu achava tão pequeno, virou um universo e eu me perdi. Me perdi por não perceber que estava perdida. Voltei, trilhando o mesmo caminho. Consegui chegar no meu lugar da mesa. Sentei na cadeira, percebendo o quanto ela era macia, nunca tinha notado o tamanho do conforto que ela é capaz de proporcionar. Peguei meu prato redondo e raso. O cheiro da comida ficou ainda mais forte. Minha mãe me entregou a colher e colocou minha mão na direção de uma das panelas. Pela consistência, era o cheiroso feijão verde. Coloquei um pouco no prato. A outra panela provavelmente era de arroz. Cheirei. O leve aroma de alho e cebola me fizeram ter certeza. Ainda com a colher  cheia de arroz, fiquei tentando lembrar em que lado do prato tinha colocado o feijão e o espaço que ele tinha tomado. Não adiantou nada eu passar esses anos estudando coordenadas geográficas, o Norte, Sul, Leste e Oesta desapareceram, nenhuma bússola iria me salvar nesse momento. Joguei o arroz em qualquer lugar do prato e tentei misturar com o feijão. Peguei um pedaço de peixe e coloquei no prato também, sem ter noção alguma de como estava aquela bagunça. A primeira garfada veio vazia, só consegui sentir o gosto do garfo, que não tinha gosto algum. Tentei novamente, consegui dar uma garfada um pouco mais cheia. O feijão estava no ponto certo, macio, bem temperado e o arroz estava crocante, com pedacinhos quase imperceptíveis de alho. Acabei o almoço, um pouco irritada com a minha falta de jeito com os outros quatro sentidos. Levantei, topei o dedo mindinho no pé da mesa e fui deitar na minha cama macia. Fiquei pensando em quantas coisas fogem da nossa vista e a gente acaba não vendo de verdade, em como nossa visão é limitada e nos limita. O som do despertador cortou meus pensamentos ao meio, mas como não estava vendo nada, deixei o despertador tocando, até virar uma musiquinha de ninar. Quando levantei, ao invés de ir correndo estudar, fiquei parada, deixando o vento balançar o meu cabelo silenciosamente, fazendo cócegas nas minhas bochechas. Abri os olhos e sorri.


(Para Bruna Nogueira, que engravidou dessa ideia e eu fiz o parto.)